Um dos grandes nomes da literatura do século XX, Ernest Hemingway carrega consigo uma reputação de austeridade e complexidade. Mas, surpreendentemente, “Paris é uma festa” desconstrói essa imagem, oferecendo uma leitura leve, fluida e profundamente envolvente. Escrito entre os anos 1950 e 1960, mas publicado postumamente em 1964, o livro é um mergulho nostálgico nos anos de juventude do autor em Paris, nos dourados anos 1920.
SINOPSE
O livro é uma coletânea de memórias da época em que Hemingway fazia parte da efervescente cena cultural da capital francesa. No centro dessa narrativa está a Geração Perdida, um grupo de artistas e escritores americanos que viveram em Paris no período entre guerras, incluindo nomes como F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein e Ezra Pound. Hemingway, com sua prosa aparentemente simples, mas profundamente poética, nos guia por um universo onde a arte, a literatura e as relações humanas se entrelaçam de forma irresistível.
ESTILO LEVE E BELEZA EXUBERANTE
Eu imaginava que Hemingway seria um autor denso e desafiador, mas fui arrebatada por sua capacidade de transformar cenas cotidianas em momentos de pura beleza literária. A leitura de “Paris é uma festa” foi um completo deleite. A narrativa é simples, mas repleta de nuances; é como se cada frase fosse medida para capturar a essência do que é descrito sem desperdícios. Paris, com suas ruas estreitas, seus cafés acolhedores e seus moradores excêntricos, ganha vida através das palavras do autor.
Levantava-me, punha-me a contemplar os telhados de Paris e pensava: 'Não se aborreça. Você sempre escreveu antes e vai escrever agora. Tudo o que tem a fazer é escrever uma frase verdadeira. Escreva a frase mais verdadeira que puder.' Assim, finalmente conseguia escrever uma frase verdadeira e avançava a partir daí." p. 26
Ao longo de “Paris é uma festa”, Hemingway também compartilha reflexões valiosas sobre seu próprio processo criativo. Ele descreve com honestidade a disciplina necessária para escrever e os desafios de se manter fiel à própria voz em meio a tantas influências. Em suas memórias, vemos como os cafés de Paris não eram apenas locais de convivência social, mas também cenários de trabalho intenso, onde Hemingway esculpia suas frases com a precisão de um artesão. Essas passagens são interessantíssimas para quem aprecia os bastidores da criação literária.
HEMINGWAY, O BOM FOFOQUEIRO
Um dos aspectos mais encantadores do livro é o retrato de Hemingway como um grande observador da vida alheia. Ele é curioso, perspicaz e, acima de tudo, profundamente humano em suas descrições. Há algo quase voyeurístico em sua maneira de narrar encontros e conversas, mas isso é feito com tanto charme que nos sentimos cúmplices de suas observações.
Dizem que as sementes do que seremos um dia nascem conosco, mas sempre me pareceu que aqueles que não levam a vida totalmente a sério têm as sementes cobertas por um solo generoso e bem-adubado." p. 126
Essa faceta de Hemingway também se reflete na maneira como ele descreve F. Scott Fitzgerald, um dos personagens mais marcantes do livro. As anedotas envolvendo Fitzgerald são divertidas e reveladoras, como a história em que Hemingway ajuda o amigo a superar uma crise de insegurança. Foi essa conexão entre os dois escritores que me levou diretamente a “O Grande Gatsby” após terminar este livro.
O PAPEL DE HADLEY
Outro ponto forte do livro é a presença de Hadley Richardson, a primeira esposa de Hemingway. Hadley é retratada com carinho, mas também com um tom melancólico que reflete as tensões do relacionamento. Ela é uma figura central na narrativa, simbolizando tanto a estabilidade quanto as limitações que Hemingway sentia na época. Sua presença oferece um contraponto humano às cenas mais glamorosas da vida parisiense.
Edição da Bertrand Brasil conta com fotos de Hemingway e de amigos da época |
RELATO DE UMA ÉPOCA
“Paris é uma festa” também é um retrato fascinante de uma época em que Paris era o centro do mundo intelectual e criativo. Hemingway nos apresenta um desfile de personalidades que moldaram a cultura do século XX, desde escritores como James Joyce até artistas plásticos que frequentavam os mesmos cafés e ateliês. Sua narrativa nos faz sentir parte desse mundo, como se estivéssemos sentados ao lado dele em um café no Boulevard Saint-Germain.
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Ler “Paris é uma festa” é uma experiência de descoberta e reconexão com a literatura. Hemingway nos mostra que, apesar de seu status como um dos maiores escritores de todos os tempos, ele também era uma pessoa comum, com amizades, amores e desafios. Sua escrita, ao mesmo tempo acessível e profunda, me surpreendeu e me conquistou completamente. Este é um livro para quem ama a literatura, mas também para quem quer entender um pouco mais sobre o que significa ser humano.
Se você ainda não leu “Paris é uma festa”, recomendo que reserve um lugar especial na sua estante e no seu coração para esta obra tão especial. E, quem sabe, ao terminar, você também seja levado a explorar outros clássicos, como aconteceu comigo ao mergulhar em “O Grande Gatsby”.
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