Resenha: A Redoma de Vidro (Sylvia Plath)

O que esperar do único romance de uma poeta? Foi por seus poemas que Sylvia Plath se tornou conhecida, mas seu nome também fez com que a obra "A redoma de vidro" ganhasse destaque no meio literário. Publicado em 1963, esta narrativa em primeira pessoa traz traços autobiográficos confirmados pela própria autora, num enredo marcado pela depressão da protagonista. 

capa a redoma de vidro

SINOPSE

Lançado semanas antes da morte de Sylvia, o livro é repleto de referências autobiográficas, e a narrativa é inspirada nos acontecimentos do verão de 1952, quando Sylvia Plath tentou o suicídio e foi internada em uma clínica psiquiátrica.
Esther Greenwood é uma jovem que sai do subúrbio de Boston para trabalhar em uma prestigiosa revista de moda em Nova York. Assim como a protagonista, a autora foi uma estudante com um histórico exemplar que sofreu uma grave depressão. Muitas questões de Esther retratam as preocupações de uma geração pré-revolução sexual, em que as mulheres ainda precisavam escolher se priorizavam a profissão ou a família.
Ao iniciar esta leitura, cheguei a me questionar se seria só mais uma história de uma adolescente inconformada. Porém, a medida que fui avançando no enredo, percebi que essa pode ter sido uma inspiração para muitas obras que vieram depois, assim como foi O apanhador no campo de centeio - inclusive muitos remetem-se à A redoma de vidro como a versão feminina da obra de Salinger. Essa comparação é bem compreensível, uma vez que neste livro acompanhamos Esther Greenwood, uma jovem inteligente vivendo em Nova York e com um futuro promissor, mas que questiona muito a respeito do sentido da vida e sobre suas escolhas - assim como Holden Caulfied no outro livro. 
Fiquei me perguntando por que eu não conseguia mais cumprir as minhas obrigações até o fim. Isso me deixou triste e cansada. Então me perguntei por que também não conseguia deixar de cumprir minhas obrigações até o fim, do jeito que Doreen fazia, e isso me deixou mais triste e cansada ainda." p. 37
Mas a premissa de este ser um livro sobre a juventude se transforma quando o estado de Esther se agrava, ao ponto de ela ser internada num sanatório. A partir deste trecho o livro ganha toques de Girl Interrupted¹, mostrando as relações entre Esther e as outras internas, assim como os profissionais da instituição. Seu tratamento é sofrido de ler, principalmente quando se reconhece que a própria autora passou por isso, chegando a ser submetida a sessões de eletrochoque.
A história de Esther gera empatia, mas também pode servir de gatilho para quem já experienciou depressão e pensamentos suicidas. Porém a autora descreve os sentimentos da personagem de maneira quase didática - o que é louvável - com sutileza, usando analogias numa narrativa poética e inevitavelmente triste.

¹Filme americano de 1999, estrelado por Winona Ryder e baseado no livro de mesmo nome da autora Susanna Kaysen. 

A pressão de inúmeras possibilidades  


Acredito que este tenha sido o ponto do livro que me trouxe mais identificação, uma vez que tem sido um problema cada vez mais recorrente entre jovens na modernidade. Grande parte da angústia de Esther está no fato de ela não saber que caminho seguir, e não conseguir enxergar um sentido em sua vida. Ela deve fazer faculdade, ser uma grande acadêmica, ou deve priorizar um casamento satisfatório e a formação de uma família? Poderia ela largar tudo e seguir a vida escrevendo poemas? Como atender às expectativas colocadas sobre ela? 
Me vi sentada embaixo da árvore, morrendo de fome, simplesmente porque não conseguia decidir com qual figo eu ficaria. Eu queria todos eles, mas escolher um significava perder todo o resto, e enquanto eu ficava ali sentada, incapaz de tomar uma decisão, os figos começaram a encolher e ficar pretos e, um por um, desabaram no chão aos meus pés." p. 88-89
Percebo que hoje em dia há um esforço de consertar esse problema social, que afeta tantos de nós. Criou-se essa ideia de que é preciso encontrar um propósito, e que através dele saberemos que atitudes tomar e quais caminhos seguir. Mas o problema está exatamente no fato de que nem todo mundo tem esse propósito. Não é algo que é encontrado facilmente por todas as pessoas, e a sensação de não ter um pode ser frustrante. Falo isso por que conheço bem essa angústia. 
Mas se você de alguma forma está se sentindo tão mal quanto a Esther, com depressão crônica e pensamentos suicidas, eu recomendo fortemente que procure ajuda. No tempo dela e da Sylvia Plath (que infelizmente tirou a própria vida aos 30 anos), as formas de tratamento não eram tão efetivas, mas hoje em dia há abordagens melhores e bem mais eficazes. Você não está sozinho, procure um psicólogo ou psiquiatra - não há mal algum em pedir ajuda.

***

Apesar de esta ter sido uma leitura triste e angustiante, ela me trouxe muitas reflexões pertinentes, que irei levar para a toda a vida. Recomendo apenas para os leitores que estão num bom lugar emocionalmente, e que se interessam por obras capazes de nos sensibilizar através de uma escrita impecável. 


ISBN: 978-85-250-6446-0
Nota: 5/5 ⭐

6 Comentários

  1. Nossa, achei a capa maravilhosa, chocada em saber que é uma história relativamente antiga e tão atual né?!
    Que pena que a autora encerrou sua carreira cedo, a falta de ajuda correta pode ser fatal né?!
    Não sei se lerei, ainda mais por conta do aviso final, já que muito provavelmente nenhum de nós está com uma saúde mental okay nesses últimos tempos.
    Mas, acredito que seja interessante até para desbloquear isso de pedir ajuda né?!

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  2. Essa história parece ser legal, pelo fato de conseguirmos conhecer mais a vida da autora através da personagem principal, e pela forma que ela narra os sentimentos, como você mesma disse.
    Achei legal você pontuar que a história pode ser um gatilho pra quem já passou por algo parecido, é sempre importante ter essas informações antes de iniciar a leitura.

    Eu já tinha lido o título do livro por aí, mas não sabia do que a história se travava. Adorei conhecer!

    Estante da Pipoca | @estantedapipoca

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  3. Ai, eu sou DOIDA para ler A Redoma de Vidro. Imagino o quão forte pode ter sido pra ela escrever na época e me questiono se ela percebeu isso, também. Provavelmente sim, né. Apesar de poder representar gatilhos, é bacana a gente ter exemplos assim, de todas as épocas, para continuar alertando dos perigos da depressão e até de coisas que podem ser "menores", como essa pressão que você mencionou de ter um propósito na vida, etc.

    Excelente resenha!

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  4. Gosto de livros que me intrigam, que mostram o perfil psicológico e as lutas do personagem.

    Assisti o filme GAROTA INTERROMPIDA muitos anos atrás. Winona Ryder e Angelina Jolie são um show de atuação. Na época, tinha sido o primeiro filme que vi sobre uma clínica psiquiátrica. Ainda bem que os tratamentos evoluíram e estão mais humanos - bom, assim eu espero!

    Achei muito relevante você mencionar os gatilhos para aqueles que precisam manter distância de certos estímulos e pensamentos.

    Ótima resenha!
    Paula

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  5. Sem dúvidas é um dos melhores livros que já na li na vida. A protagonista é inteligente, ambiciosa, tem um bom humor, mas ela sempre tem a sensação de que alguma coisa não está legal. Ela parece ser incapaz de ter uma alegria completa. Com o decorrer da história, esse sentimento vai se intensificando, e a forma como ela descreve tudo que sente te prende na leitura. É uma depressão tão profundo que você se sente mal ao perceber que tanta gente se sente assim. A depressão da Esther te traga e você consegue, durante a leitura, experimentar o "ar viciado" da Redoma de Vidro.

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  6. Estou lendo nesse momento....mais ou menos no meio...a gente parece que está numa redoma mesmo, querendo sair e não consegue...

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