8 de março, literatura e redes sociais

Chega o mês de março e começam as movimentações para o dia internacional da mulher: em alguns setores a data já faz parte do calendário editorial, enquanto que outros são sempre pegos de surpresa e precisam improvisar para "não deixar o dia passar em branco". A verdade é que datas assim, na era digital, meio que nos obrigam a postar algo, a nos posicionar, a mostrar que a gente se importa. "Não, eu não sou machista, olha aqui o meu post de 8 de março". A internet é um eterno viver de fachada.

mulheres e literatura

Fiquei tão incomodada com algumas coisas que vi no fatídico dia que nem consegui escrever um post aqui como pretendia, e foi esse próprio incomodo que me fez refletir sobre essa necessidade compulsória dos posts representativos. Daí fui olhar o que alguns veículos estavam fazendo, e acabei descobrindo um outro lado desta problemática.

Não posso deixar de citar alguns exemplos aqui, e peço que fique claro que estas críticas não têm como objetivo descredibilizar ninguém. Mas ter uma conta pública na internet é dar a cara a tapa e estar sempre sujeito a um exposed - inclusive qualquer dia pode rolar um meu. Mas ao visitar algumas páginas, encontrei os seguintes fenômenos:

Reciclagem de posts

Uma revista literária, que no mês de março trouxe um homem na capa, não se dignou nem mesmo a compartilhar um post atual sobre o 8 de março. Na página de seu Facebook, no dia da mulher, foram publicados apenas dois links antigos de matérias anteriores da revista.

Referências sutis

Uma outra revista, que costuma publicar citações de livros em seu Instagram, publicou no dia um trecho da obra de Carolina Maria de Jesus. Na legenda: "Para o 8M". 8M? Cada dia um termo novo nessa internet, né gente? É aquela história, o importante é não deixar passar batido. Se fosse um presente, entregaria dizendo "é só uma lembrancinha".

Um descontinho (e nada mais)

Algumas livrarias e editoras promoveram descontos especiais em livros escritos por mulheres, tendo uma delas utilizado a seguinte chamada: "leve a força feminina para a sua estante e para o seu coração!". São livros com temáticas feministas? Em sua maioria não. Falam da luta feminina e promovem igualdade de gênero? Menos ainda. Mas vamos usar a data para fazer o capitalismo girar, não é mesmo? Viva!

Tudo isso me faz pensar em qual o real objetivo de publicar um post como estes no dia da mulher. Cada vez mais vejo as redes se encherem de postagens vazias, sem um real propósito, publicadas muitas vezes apenas para combater um FoMO - fear of missing out. Esse medo de ficar de fora nos obriga a postar, a se posicionar, mas será isso algo positivo? Muito se discute sobre essa pressão ser danosa à nossa saúde, e sinto que datas "comemorativas" me confirmam isso.

***

A reflexão acerca de mulheres no âmbito literário remonta a uma trajetória de embates e negociações, numa luta constante por espaço que está longe de ser concluída. Por anos e anos mulheres foram deslegitimadas neste campo, não só como escritoras mas também como editoras e críticas literárias. Apesar de um longo caminho já ter sido percorrido, um cenário de equidade ainda parece utópico numa realidade em que o gênero feminino ainda é uma minoria em muitos espaços.

Tendo tudo isso em vista, não descarto a importância de manter o 8 de março como uma data presente nos calendários editoriais, mas apenas torço para que ela seja enxergada de maneira mais significativa. Não podemos transformar esse dia em apenas uma caixinha a ser marcada na check-list de posts obrigatórios, principalmente ao levarmos em conta tudo que a data representa no movimento feminista. O 8 de março é um símbolo histórico contra o machismo, a desigualdade e a violência, e torço para que esse dia continue nos lembrando anualmente da importância dessa luta. 

4 Comentários

  1. Olá!
    Eu amo fazer essa reciclagem de posts, acho muito importante porque de alguma forma damos voz e focamos em assuntos que já foram abordados e não deixaram de ser importantes.
    Beijos.



    https://www.parafraseandocomvanessa.com.br/

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    1. Oi Vanessa! Também acho que alguns posts merecem ser compartilhados novamente, e muitos assuntos continuam sendo relevantes anos depois! Porém acredito que uma revista que publica novos artigos o tempo inteiro poderia ter dado voz a uma mulher no contexto atual neste dia tão importante, sabe? O problema para mim não é a reciclagem de posts em si, mas o fato de SÓ ter acontecido essa reciclagem, sem nenhuma publicação/homenagem/crítica atual.

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  2. Verdade este dia tem que ser marcado pela data histórica e a Luta diária de nós mulheres na sociedade, com homenagens e debates importantes, mostrando o real significado e a importância da data e não por obrigação e de qualquer jeito.

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  3. Concordo em tudo ! impressionante como muitas empresas oferecem pouco ou nada para “comemorar” a data e tanta gente aplaude. Prova disso são os descontinhos em produtos que nem pra confirmar a importância da data servem, apenas reafirmam a imagem de mulher como sensível e delicada. Na maioria das vezes os posts e promoções são só pra não passarem em branco.

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