Você acredita na inocência das crianças? República Luminosa é uma obra que vai te fazer refletir sobre esta pergunta, que permeia o enredo intrigante desta ficção. Publicado em 2017, o livro do espanhol Andrés Barba lhe rendeu o Prêmio Herralde, um dos mais importantes da língua hispânica. Tive a chance de ler o livro após ele ter sido enviado pelo clube Pacote de Textos, e após uma leitura frenética cá estou para compartilhar as minhas opiniões com vocês.
SINOPSE
Um romance angustiante e grandioso a respeito da infância e violência. O aparecimento de crianças violentas de origem desconhecida perturba - e subverte - a vida de San Cristóbal, uma cidade encravada entre a selva e o rio. Vinte anos depois, uma das testemunhas revisita o episódio numa crônica recheada de fatos, evidências e especulações sobre como a cidade foi forçada a reformular sua ideia de ordem e violência, além da própria noção de infância.Num território tranquilo e tropical encontra-se a cidade fictícia de San Cristóbal. Na década de 90 chega na cidade o nosso narrador, um funcionário público sem nome que nos conta, 20 anos depois, os acontecimentos que sucederam a sua chegada. Ali, naquele lugar antes sem grande relevância, um fenômeno inquietante aconteceu: a população foi atacada por uma gangue composta por 32 crianças.
O PERFIL DAS 32
Nesta narrativa em tom documental, são assim que as crianças são chamadas: as 32, já que este é o número estimado de crianças que compuseram a gangue. Entre 9 e 12 anos, eram sujas e maltrapilhas, e surgiram aos poucos circulando pela cidade, pedindo moedas e, posteriormente, cometendo pequenos furtos. O narrador nos contam que algumas possuíam traços semelhantes aos dos nativos daquela região, mas que juntas pareciam um corpo estranho, principalmente por um aspecto: elas se comunicavam em uma língua desconhecida.
ENREDO E NARRATIVA
Seguindo neste modelo de documentação dos fatos, o narrador nos revela na medida certa alguns pontos de sua vida pessoal. Casado com uma mulher mais velha, o homem possui uma enteada de 11 anos, e muitos dos dilemas morais que ele apresenta durante a trama se fundem também com o fato de ele mesmo conviver com uma criança em casa. Isso não é algo particular: muitas famílias passam pelo mesmo, e o contexto coletivo da obra me fez até mesmo questionar quem é o seu real protagonista. É o narrador? São as crianças? É a cidade de São Cristóbal? Talvez nada disso importe, mas achei interessante ter essa percepção enquanto lia.
Para as crianças, o mundo é um museu no qual os vigias adultos podem ser amorosos na maior parte do tempo, mas nem por isso deixam de impor as regras: tudo é maciço, tudo existiu desde sempre e veio antes delas." p. 85
Como o narrador nos conta essa história 20 anos após os fatos, em alguns momentos ele foge da linha do tempo e nos revela alguns elementos que ainda estão por vir, quase como spoilers. É uma escolha interessante, que acabou trazendo mais curiosidade para com o enredo. Por outro lado, ele também apresenta diversas referências, incluindo falas de entrevistas, trechos que saíram no jornal e até mesmo artigos acadêmicos. Creio que algumas foram bastante enriquecedoras para a obra, porém outras foram um tanto desnecessárias, me trazendo a sensação de que só estavam ali para dar a impressão de que esta é uma obra para cultos. Isso é algo que particularmente me incomoda; acho que muitas vezes a simplicidade pode ser mais positiva, e que uma linguagem academicista pode acabar soando um tanto forçado.
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PONTOS DE DISCUSSÃO
Escrever esta resenha me trouxe a conclusão de que esta é uma ótima obra para um clube do livro. O motivo? Ela traz ótimos pontos de discussão, que podem render reflexões bastante interessantes. Dentre os pontos centrais estão a quebra da imagem "angelical" da infância, o embate entre a civilização e a barbárie e a incessante busca por sentido num caos. O narrador por vezes questiona se há um líder naquele grupo, como eles se organizam, e por ventura como eles são capazes de executar aquelas ações. Afinal, são apenas crianças.
A infância é mais poderosa do que a ficção." p. 71
Um dos pontos que me chama a atenção - e que acredito que poderia ter sido melhor explorado - é o dos limites da comunicação. É algo que sempre me interessa quando é representado em uma obra, o embate entre dois grupos que falam línguas diferentes, que se comunicam de maneira diferente. Gostaria que houvesse um destaque maior para esta problemática dentro da obra, mas ainda assim vejo como um ponto interessante dela.
***
Há quem relacione este livro a clássicos como Coração das Trevas, do Joseph Conrad, ou mesmo Senhor das Moscas, do William Golding. Eu a vejo como uma boa obra contemporânea a respeito de temas quase tão antigos quanto a própria humanidade. A forma como o livro me fez refletir sobre o comportamento da sociedade perante o "outro", o estranho, não é tão diferente de como outras obras ou até mesmo notícias já me fizeram pensar. Porém, a escolha de trazer este tema sob a óptica da infância foi com certeza uma boa jogada do autor. Considerando tudo isso, recomendo a leitura a todos que se interessam pelos temas abordados, e estou curiosa para conferir novos trabalhos do Andrés Barba.
ISBN: 978-85-88808-44-7
Editora: Todavia
Nota: 3/5⭐
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Um livro que com certeza vai nos fazer refletir, Principalmente no debate sobre a menor idade penal.
ResponderExcluirCom certeza, inclusive esse tema chega a ser brevemente abordado no livro! Porém o contexto dessa história é bem mais específico do que o que encontramos em países como o Brasil, por exemplo.
ExcluirÓtima resenha! Você sempre escreve tão bem...
ResponderExcluirEu acho que nascemos com a essência corrompida.
É perceptível nos pequenos, desde cedo, os traços de egoísmo e maldade.
Então uma gangue de crianças seria uma possibilidade.
Talvez, não tão organizada como parece ser no livro, mas é possível.
:)
Paula
Fico feliz que tenha gostado da resenha, Paula! Essa discussão sobre a corrupção humana sempre me deixa dividida. Difícil chegar a uma conclusão!
ExcluirEu nunca acreditei que as crianças pudessem realizar atitudes tão malvadas, por isso, fiquei interessada em ler esse livro e tentar entender o que aconteceu com elas, pois o fato de falarem que nascemos corrompidos não me convence! Para mim as crianças nascem puras e acabam sendo corrompidas pela sociedade onde mora e as pessoas com que convive e se a gangue era tão organizada deve ter sido influenciada por algum adulto. Meninas, agora vou ter que comprar esse livro...kkk
ResponderExcluirObrigada pela dica!
Viviane Almeida
Resenhas da Viviane
Essa é mesmo uma discussão difícil, há quem pense que nascemos bons, outros que nascemos corrompidos... Independente de qualquer coisa, eu recomendo muito a leitura deste livro! Com certeza irá trazer ainda mais reflexões sobre o assunto.
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