Apesar de ter sido publicada em 2009, foi em 2018 que esta obra obteve grande destaque, quando a autora polonesa Olga Tokarczuk foi nomeada para o prêmio Nobel de literatura. Ela acabou sendo anunciada como vencedora apenas em 2019, ano em que Sobre os ossos dos mortos chegou ao Brasil através da editora Todavia, com tradução de Olga Baginska-Shinzato. A leitura da obra de uma vencedora do prêmio Nobel sempre vem carregada de expectativas, e nesta resenha buscarei explorar os seus pontos positivos e negativos, revelando a vocês se ela alcançou o que eu esperava.
SINOPSE
Em uma remota região da Polônia, uma professora de inglês aposentada costuma se dedicar ao estudo da astrologia, à poesia de William Blake, à manutenção de casas para alugar e a sabotar armadilhas para impedir a caça de animais silvestres. Sua excentricidade é amplificada por sua preferência pela companhia dos animais aos humanos e pela crença na sabedoria advinda do estudo dos astros. Subversivo, macabro e discutindo temas como mundo natural e civilização, este livro parte de uma história de crime e investigação convencional para se converter numa espécie de suspense existencial. Olga Tokarczuk oferece um romance instigante sobre temas como loucura, injustiça e direitos dos animais.
Janina Dusheiko é uma senhora considerada excêntrica por muitos e que é compreendida por poucos. Ela vive em um vilarejo nos confins da Polônia e possui uma vida pacata como professora de inglês em meio período, além de trabalhar como cuidadora de algumas residências vazias de sua vizinhança. Certa agitação envolve o vilarejo quando um de seus moradores morre, aparentemente após se engasgar com um osso. Após este acontecimento algumas outras tragédias se anunciam, o que denota que nada será como antes naquele lugar.
Às vezes, pensando de uma maneira mais abrangente, ignorando algumas limitações da mente, e considerando ações pessoais, é possível conscientizar-se de que a vida de alguém não é necessariamente boa para os outros." p. 29
Gostaria de falar da Sra. Dusheiko traçando um pequeno perfil da personagem: uma idosa solitária, fascinada por William Blake, fissurada em astrologia, que só bebe chá preto e não gosta de usar nomes próprios para se referir às pessoas do seu entorno. Assim, os seus vizinhos se tornam "Esquisito", "Pé grande" ou mesmo "Acinzentada" em sua mente. Dusheiko também possui um grande amor e respeito pelos animais, o que a faz até mesmo cogitar que os mesmos estão se vingando dos humanos que os maltrataram no passado. É assim que a personagem cria um desafeto com a policia, uma vez que a mesma escreve longas cartas denunciando atrocidades e compartilhando suas mirabolantes teorias.
A narração em primeira pessoa denota os pontos de vista de Dusheiko, que muitas vezes podem ser considerados questionáveis. Isso é algo que pode variar muito de leitor para leitor, como por exemplo quando a personagem se baseia na astrologia para justificar atitudes ou acontecimentos. Acredito que quem compartilha da mesma crença possa se identificar, mas no meu caso, como leiga no assunto e sinceramente não muito interessada na influência dos astros sobre a humanidade, me senti entediada com estes trechos.
Tem que doer, do mesmo jeito que um rio precisa fluir, e a chama queimar. Ela me lembra, cruel, que sou composta de partículas de matéria que morrem a cada segundo. Alguém consegue se acostumar com isso? Aprender a viver com isso assim como as pessoas que vivem na cidade de Oswiecim (que abrigou Auschwitz) ou Hiroshima sem pensar jamais no que aconteceu lá no passado. Elas simplesmente vivem suas vidas." p. 65
Toda a trama acaba sendo retratada de maneira unilateral, o que é tipico em obras que optam por esta modalidade de narração. Porém, isso faz com que o leitor fique ainda mais intrigado com alguns pontos da obra, afinal não é tão fácil enxergar o sentido das coisas apenas pelo olhar da Dusheiko.
Para mim foi também problemático o uso de digressões, que chegou a ser exaustivo. Algumas das histórias compartilhadas pela personagem não se conectaram bem ao enredo principal, e revelaram pouco sobre ela mesma. Entendo que a aura de mistério que ela carrega é importante para o contexto da obra, mas seria interessante ter conseguido enxergar um pouco mais a fundo o seu âmago.
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Há quem elogie este livro por ele tratar de algumas questões sociais pertinentes, como os maus tratos aos animais e a subjugação da mulher, mas na minha opinião ele só atinge a superfície destes problemas. A autora poderia muito bem ter substituído algumas das suas incansáveis menções à República Tcheca (que é vista quase que como um paraíso pela protagonista) ou às moléstias de Dusheiko, às quais ela está sempre se referenciando, por análises mais profundas dos reais problemas sociais daquela região.
Mas não pensem que eu não tenho elogios para fazer a esta obra. Eu parabenizo a autora por ter trazido uma personagem autêntica e tão diferente do que estamos acostumados; não consigo nem pensar em outra obra que também traga uma personagem feminina idosa como protagonista. Ela me fez lembrar de muitas outras senhoras fortes e perspicazes que tive a honra de conhecer, apesar de a personagem trazer também suas contradições. A autora conseguiu construir uma narrativa que, apesar de entediante em certos pontos, foi capaz de me surpreender da metade para o final. Tendo tudo isso em vista, espero muito pela chance de ler outros de seus trabalhos.
Olga Tokarczuk nasceu em 1962 na Polônia. Graduou-se em Psicologia pela Universidade de Varsóvia e trabalhou como terapeuta antes de dar início à sua carreira de escritora, tendo publicado o seu primeiro livro em 1989. Além de vencedora do Nobel de Literatura concedido em 2019, a autora foi também vencedora do Man Booker Prize, e finalista em diversos outros prêmios. Ela atuou como co-roteirista do filme Pokot, adaptação cinematográfica de Sobre os ossos dos mortos.
ISBN: 978-65-80309-69-6
Editora: Todavia
Nota: 3/5⭐
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Esse livro parece bem interessante, especialmente por ser escrito por uma mulher natural da Polônia - Aprecio muito conhecer a literatura de vários países, fugindo daquela lógica dos best-sellers norte-americanos (nada contra eles, mas vamos concordar que o espaço dedicado na mídia aos outros livros é desigual)
ResponderExcluirAbraços!
Olha, sabe que nunca havia lido nenhuma resenha sobre a obra?! E a sua está cativante, inteligente e instigante. Parabéns! Suas fotos estão belíssimas e muito atrativas. Amo fotos que fazem boa apresenatação junto da crítica e você casou bem ambos. Assuntos pertinentes a serem lidos! Bjs
ResponderExcluirAinda não tinha ouvido falar da autora nem da obra, mas me ganhou na sinopse! Primeiro que se trata de um dos meus gêneros favoritos, de crime e investigação. E se ele se transforma em um suspense, melhor ainda. Segundo, nem conheço a personagem Dusheiko mas já me identifiquei logo de cara. Estuda astrologia e prefere a companhia do animais do que dos humanos? Poderia perfeitamente ser eu! ahahaha Brincadeiras a parte, achei a proposta muito interessante e seu post me deixou bem curiosa. Entrou para a lista de leituras futuras, com certeza!
ResponderExcluirGostei muito da sinopse e me identifiquei com a protagonista. Também gosto muito de astrologia e amo os animais. Adoro tramas de suspense e se passando nos confins da Polônia deixa tudo mais misterioso e charmoso! Gostei muito dessa sugestão de leitura :)
ResponderExcluirSou muito curiosa pra ler esse livro. Acho que a resenha me fez criar ainda mais expectativas porque quero muito entender se vou achar as mesmas coisas.
ResponderExcluirSou muito curiosa pra ler esse livro. Acho que a resenha me fez criar ainda mais expectativas porque quero muito entender se vou achar as mesmas coisas.
ResponderExcluirJá ouvi falar nesse livro, mas nunca havia lido nenhuma resenha/crítica. Amei você ter citados o que achou bacana e o que não achou, foi bem sincera.
ResponderExcluirE acredito que, quando uma obra está super em alta, nós criamos uma expectativa e quando vamos consumir acabamos tendo um olhar mais crítico do que o habitual, o que às vezes gera a quebra de expectativa, você não acha?
Muito interessante trazer uma obra estrangeira (fora dos padrões) para conhecermos. Acho que a autora envolve a psicologia na narrativa, pelo menos tive essa impressão quando você apresentou a personagem. Mais que o contexto da história, o foco parece ser o jeito, a personalidade, o eu dela. E a reação da personagem ao mundo e às pessoas. Vou pesquisar mais sobre a autora. Abraços
ResponderExcluirInteressante a história (mas o que me chamou atenção logo de cara foi a capa, confesso). Gostei de dois pontos: abordar a causa animal (só é uma pena que seja meio superficial, como você bem colocou) e ser narrado por uma senhora, que tem toda uma sabedoria e vivencia únicas. Deve ser algo legal de se ler. Anotada a dica.
ResponderExcluirAbraços, ótima semana e parabéns pela resenha.
Isabelle
https://lendocomosgatos.wordpress.com/