Mrs Dalloway (Virginia Woolf)

Por muito tempo vi Mrs Dalloway em listas de "leitura obrigatória" ou de "livros para ler antes de morrer". Sem nem pensar, adicionei o livro à minha lista de desejos e ganhei essa edição da Autêntica de presente. Meses se passaram até que, ao ver o anúncio da leitura coletiva organizada pela Mell Ferraz do @blogliteraturese, resolvi iniciar a leitura - o que foi uma das melhores decisões que tomei este ano.

mrs dalloway

SINOPSE

É simples a trama de Mrs Dalloway. Tudo se passa num dia de junho de 1923. Clarissa, esposa de Richard Dalloway, membro do Parlamento britânico, sai para comprar flores para a festa que dará à noite. No caminho passa por algumas das ruas centrais de Londres e por dois de seus principais parques, encontrando o amigo Hugh Whitbread. Seu trajeto cruza com o de outro personagem central, Septimus Warren Smith, que, acometido de um sério trauma de guerra, encaminha-se, com a esposa que conheceu na Itália, Rezia, para uma consulta com um importante psiquiatra.
Já em casa, Mrs Dalloway recebe a visita de um antigo namorado, Peter Walsh. Deixando a casa de Clarissa, ele empreende sua própria caminhada por Londres, regressando, depois, ao seu hotel, de onde sai, ao final da tarde, para a festa da antiga namorada. O romance culmina na festa de Mrs Dalloway, onde se encontram pessoas de suas atuais relações, como o próprio Primeiro-Ministro, e pessoas de seu passado: além de Peter Walsh, também Sally Seton, uma paixão da adolescência.
Um mosaico de cenas exteriores recheia a trama aparente do romance: a passagem de um misterioso automóvel carregando uma importante personagem política; as proezas de um avião escrevente; uma rusga entre a filha adolescente de Mrs Dalloway, Elizabeth, e sua preceptora, a Srta. Kilman; a aventurosa perseguição feita por Peter Walsh a uma senhorita que ele destacara da multidão; uma mendiga, próximo à estação de metrô do Regent's Park, entoando uma canção ancestral; o trágico fim de Septimus.


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Numa narrativa de fluxo de consciência, o livro retrata um dia do cotidiano de vários personagens em uma Londres pós-guerra, tendo Clarissa Dalloway como protagonista. Aos poucos vamos conhecendo mais sobre ela, que se apresenta como uma senhora de meia idade, casada com o aristocrata Richard Dalloway, com quem teve uma filha, Elizabeth. Neste dia em que o enredo se passa Clarissa planeja dar uma festa, e a primeira frase do livro denota esse seu planejamento:
A Sra. Dalloway disse que ela mesma ia comprar as flores."
Partindo dessa sua decisão, acompanhamos Clarissa pelas ruas de Londres, entre carros e até mesmo aeroplanos, transitando entre pensamentos aqui e ali, num dia que parece ser como outro qualquer de sua vida.

CONTEXTO HISTÓRICO 


Situado em junho de 1923, essa história se envolve com os acontecimentos daquele período na Inglaterra. Através de seus personagens e suas vivências, vamos percebendo comentários sobre o cenário político da época, marcado principalmente pelo fim da Primeira Guerra. Alguns elementos chegam a ser citados, como o fato de a Índia ser uma colônia da Inglaterra e de o país estar em conflito com a Irlanda.

Todo mundo tem amigos que morreram na Guerra." 
Outro fato histórico presente na obra é a gripe espanhola, pandemia que matou, entre 1918-1920, milhões de pessoas ao redor do mundo, e que no livro chegou a infectar a própria protagonista anos antes do contexto da obra. Ter lido nesta edição da Autêntica fez muita diferença, por ela possuir vários textos de apoio e notas que permitiram uma maior compreensão desses fatos.

PERSONAGENS


Além de Clarissa Dalloway, mulher complexa e com um certo ar misterioso, o livro também destaca outros personagens que se tornam importantes em seu contexto. Um deles é Peter Walsh, velho amigo de Clarissa e que já chegou a lhe propor casamento na juventude. Peter é um retrato do homem branco frustrado que podemos encontrar em muitos outros homens brancos. Outrora com ideias socialistas, acabou virando um colonizador por conveniência, e vive de se questionar sobre ser velho ou novo demais para determinadas coisas. Dilemas da meia idade...
Temos ainda o casal Septimus e Rezia, que vivem conflitos pessoais que refletem bastante o mundo pós-guerra. Septimus é um dos personagens mais difíceis do livro, com impulsos suicidas, delírios e alucinações, todos sintomas de um quadro de transtorno pós-traumático, já que ele mesmo lutou na Guerra. A negligência médica para com o seu caso é um tema bastante abordado na obra, e um outro personagem, o Dr. Holmes, chega a se tornar uma representação da natureza humana para Septimus, que vê a humanidade com bastante pessimismo.
Richard Dalloway é também um personagem importante dentro da história, assim como Elizabeth Dalloway, mas ambos são deixados em segundo plano. Destaco ainda a Srta Kilman, que é uma espécie de tutora de Elizabeth, e vive um conflito intenso com Clarissa.
Outros personagens chegam a ter destaque na trama - sendo Sally Seton uma delas -, mas falar sobre todos eles seria entregar muito da história. Todos são intrigantes do seu jeito e o fluxo de consciência nos permite conhecer um pouco mais do íntimo de cada um deles.

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ESCRITA E NARRATIVA


O livro possui um narrador em terceira pessoa que não é imparcial, mas sim afetado pelos pensamentos dos personagens. Através do fluxo de consciência (stream of consciouness), a autora descreve pensamentos que por vezes chegam a ser interrompidos por outros que tornam-se mais urgentes.
Uma descoberta maravilhosa, não restava dúvida - que a voz humana, sob certas condições atmosféricas (pois devemos ser científicos, sobretudo científicos), pode despertar árvores para a vida!"
Apesar de todos esses fluxos demandarem certa atenção por parte do leitor, a escrita é fluída, tornando a leitura uma experiência leve e até divertida em alguns pontos. Tem horas que dá pra sentir como se estivéssemos dentro da cabeça dos personagens!
O livro fala muito sobre a morte, a vida e sobretudo o tempo, e como ele nos afeta. A autora retratou esse tempo de forma única, seja através das badaladas do Big Ben, ou mesmo pelos pensamentos afetados pela perspectiva da idade - que por vezes é um tabu entre os personagens - e o envelhecimento. A autora traz uma visão contemplativa da existência, que se justifica bastante pelo contexto histórico já citado e pelo que o movimento modernista apresentava na época.

MINHAS CONSIDERAÇÕES


Mrs Dalloway foi o meu primeiro contato com a Virgínia Woolf, e ter lido o livro dentro de uma leitura conjunta fez total diferença na minha compreensão sobre ele. Me apaixonei pela escrita da autora, que é tão diferente e ao mesmo tão familiar, por tratar de pensamentos tão puramente humanos. Há quem diga que este é um livro em que nada acontece, afinal ele retrata apenas um dia no cotidiano de algumas pessoas. Mas são os pequenos acontecimentos que montam essa narrativa tão rica e repleta de reflexões.
Tenho, porém, as minhas queixas. Sinto que alguns personagens poderiam ter sido melhor trabalhados, como Elizabeth e a Srta Kilman, mesmo considerando o curto período em que o livro se passa. Gostaria de ter visto mais sobre essa juventude do tempo presente da obra, que se contrastaria com a  juventude de Clarissa e seus colegas, que é retratada.
Mas o fato de a obra ter ficado em minha mente mesmo dias após ter finalizado a leitura é para mim uma prova de como ela é impactante. Agora entendo por que ela está presente em tantas listas, e recomendo a todos que tiverem curiosidade de conhecer o trabalho da Virginia Woolf.

virginia wool

SOBRE A AUTORA


Nascida na Inglaterra em 1882, Virginia Woolf era filha do editor Leslie Stephen, o qual deu-lhe eximia educação, que lhe permitiu contato com a literatura desde muito cedo. Em 1912, casou-se com Leonard Woolf, com quem funda, em 1917, a Hogarth Press, editora que revelou escritores como Katherine Mansfield e T.S. Eliot. Virginia Woolf apresentou um quadro de depressão por muitos anos, o que a levou a tirar a própria vida em 1941, deixando um bilhete para seu marido, Leonard Woolf, e para a irmã, Vanessa.


ISBN: 978-85-8217-258-2
Editora: Autêntica
Nota: 4/5 ⭐

7 Comentários

  1. Show !!! Apesar de eu ser fã de histórias mais agitadas, com maiores acontecimentos e reviravoltas, este despertou meu interesse por conta do contexto histórico. Amei a resenha 👏🏻

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  2. Que resenha maravilhosa! Eu iniciei a leitura desse livro junto com a Mell Ferraz mas, a escrita da Virginia é um pouco complexa para mim, preciso de tempo para compreender o que ela escreve, estudar os fluxos de consciência e fazer várias anotações, por isso, tive que parar logo no inicio. Gostei muito de conhecer a sua opinião sobre a obra e tenho certeza que vou amar esse livro, como amei Orlando.

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  3. Fazer uma leitura conjuntaé tudo, né? A gente consegue ter outras percepções sobre a leitura, é tudo muito legal.
    Sobre o livro, eu já tinha ouvido falar, porém não sabia nem do que se tratava, achei legal conhecer mais, mas acho que eu ficaria um pouco confusa com a leitura, hehehe.

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  4. Considero um dos meus grandes pecados literários o fato de ainda não conhecer nenhuma das obras de Virginia Woolf. Sempre que vejo alguma resenha, de qualquer livro dela que seja, fico encantada: parece exatamente o tipo de livro que não me abandona nunca, esses que muito dizem no que pouco acontece. Adorei a sua postagem, suas fotos ficaram lindas demais! Preciso me organizar para participar de mais leituras coletivas, é sempre uma experiência interessante.
    Literalize-se

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  5. Oie, tudo bem? Ah, fazer leitura coletiva é uma experiência singular. Essa troca com outros leitores sempre nos ensina algo diferente. Ainda não li nenhuma obra da autora mas achei bem interessante suas considerações. Pelo período histórico, pela influência dos fatos em quem narra a história, isso é novidade pra mim. Um abraço, Érika =^.^=

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  6. Que capa linda! Eu ainda não conhecia essa versão :D eu li esse livro faz uns 3 anos, mas o que mais me marcou foi a história do Septimus e o romance da Mrs. Dalloway. Fiquei encantada pela escrita da Virgínia Wolff, depois dele já li Um Teto Todo Seu, recomendo totalmente :)

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  7. Eu sou fã da Virginia Woolf, mas esse livro não me conquistou. Eu gostei de saber sua opinião sobre o livro. Para mim, é uma narrativa que não evolui, não avança. Me incomodei ao longo das páginas e quase deixei o livro para depois e, em alguns momentos, deixei no canto e fui ler outra coisa. Um livro pequeno que demorou para ser finalizado por causa disso.
    Eu já tinha lido outros livros dela... Orlando (que é sem dúvida alguma, na minha opinião, o melhor). O Farol que eu adoro. E Noite e Dia que eu gostei de ter lido porque me preparou para Dalloway. Acho que é algo comum na escrita da Virginia, não avançar em nenhuma direção. Me lembro que em Noite e Dia, os dois personagens principais sabiam o que queriam, mas não faziam absolutamente nada. E, talvez essa fosse a idéia... nos colocar diante das estranhezas do seu olhar. E funcionou... rs
    E o que eu gosto imenso é como ela fala de Londres de 1920, assim como Baudelaire falou de Paris e Mario de Andrade de São Paulo. Acho isso divino.

    bacio

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