SINOPSE
Moradores de um apartamento em Turim, para onde Olga se mudou por conta da carreira profissional do marido, com dois filhos e um cachorro, Mario e Olga viveram uma relação de 15 anos com os altos e baixos de um casamento normal. Sem abalos que evidenciassem um término repentino, Olga ouve o discurso de seu marido anunciando que ele a deixaria naquele momento. As páginas seguintes vão desnudando cenas críticas do passado do casal, repassadas até a exaustão pela protagonista e misturadas à urgência do seu cotidiano completamente destruído.
Em Dias de abandono, Ferrante escancara a dor da rejeição moldada pelos sentimentos e particularidades de uma mulher. Em um corajoso e às vezes violento mergulho existencial, Olga vai aos poucos substituindo um atormentado desejo de redenção por algo ainda desconhecido.
Antes presa a um personagem construído pela sociedade e por suas próprias expectativas, ela se dá conta de que amou mais justamente quando se sentiu “enganada, humilhada e abandonada”. A raiva pela justificativa mentirosa do marido ao tê-la deixado, que antes parecia acender a urgência do amor, agora o esvazia. No espaço entre esses dois pólos distintos, sem amor, dentro do nada, resta a ela saber se novos sentidos podem tomar formas na urgência da vida.
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Apesar de a fala de Mario, o marido, ser curta e grossa e de ele realmente cumprir o que prometeu e deixar a família, é claro que rola conflito. Inicialmente Olga chega a duvidar que essa decisão vai durar: ela lembra que isso já aconteceu antes, que eles já passaram por crises. Mas o tempo vai passando e ela começa a confrontar o marido, brigando e insinuando que o motivo da separação seja outra mulher - fato que acaba sendo confirmado posteriormente.
Você não pode me deixar aqui tendo esperança, quando na verdade você já decidiu tudo". p. 14
Com essa revelação, Olga começa a ter pensamentos muito obscuros. Não consegue parar de imaginar Mario com sua nova mulher, xingando eles internamente o tempo todo. Isso faz com que ela muitas vezes se desligue da realidade, e passe a tratar diferente todos a sua volta - inclusive os seus filhos. Ela tenta se controlar, fala que não quer se tornar uma pessoa desprezível, e chega a lembrar do caso de uma vizinha que, na sua infância, foi deixada pelo marido e passou a ser conhecida como "a pobre coitada" por todos os seus conhecidos.
Porém, ao mesmo tempo, a sua curiosidade sobre a nova vida do ex-marido só aumenta; ela tenta se informar através de amigos em comum, descobrir quem é a sua nova mulher e saber todos os detalhes possíveis sobre eles.
Era só abrir a boca que já sentia vontade de manchar, sujar Mario e a sua puta. Eu detestava a ideia de que ele soubesse tudo de mim enquanto eu sabia pouco ou nada dele. Sentia-me como quem é cego e sabe ser observado por aqueles que querem espiar cada detalhe". p. 23
Em meio a tudo isso, uma pessoa passa a fazer parte da vida de Olga: Carrano, o seu vizinho, que costumava desprezar o seu marido, e acaba sendo alguém acolhedor em meio ao conflito que ela está enfrentando. Eles acabam se aproximando por acaso, quando Olga encontra na rua a sua carteira de motorista perdida; e com o tempo essa relação se torna mais próxima.
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O restante da obra demonstra gradualmente as mudanças pelas quais Olga passa. De uma esposa calma e mãe exemplar a mulher transtornada e impulsiva, ela se sente diminuída pelo que aconteceu e simplesmente não sabe lidar com tudo isso. Os seus filhos, Gianni e Ilaria, apesar de crianças, notam as mudanças da mãe. Suas reações nem sempre são as melhores, afinal eles também estão sofrendo com a separação dos pais e não sabem quem culpar. Até mesmo o cachorro, Otto - que é parte importante da história - acaba sendo negligenciado. São dias difíceis para esta família.
Havia algo que não funcionava em meus sentidos. Uma intermitência do sentir, dos sentimentos. Às vezes me abandonava a eles, às vezes me assustavam. [...] Eu estava perdida no onde estou, no que faço. Estava muda ao lado do por quê. Isso era o que eu me tornara no tempo de uma noite." p. 103
Todo esse caos desencadeia um dos dias de maior aflição registrados no livro. Tudo que acontece ali acaba sendo a chave para o desenrolar das coisas, pois reverbera no crescimento dos personagens e na "solução" dos problemas. Foi preciso que o caos atingisse o seu ápice numa manhã quente de sábado, quando Olga se perde totalmente e se entrega a um estado de sofrimento, para então as coisas tomarem um rumo diferente.
Este é um romance intenso, e a escrita da autora evoca isso. Não é a toa que Elena Ferrante se tornou tão reverenciada por suas obras. Sua tetralogia, Napolitana, rendeu ótimas críticas e o primeiro livro dos quatro, A amiga genial, chegou a ser adaptado para uma série da HBO. Dias de abandono é um livro sobre perda, amor e amadurecimento, e que deixa o leitor apreensivo com suas cenas fortes e até mesmo obscenas, registradas de maneira nua e crua pela autora.
Admito que a linguagem do livro e as atitudes da protagonista muitas vezes não me agradaram - mas acredito que essa seja uma questão de gosto mesmo -, e o final para mim também deixou a desejar. Entretanto, gostei muito de ver o crescimento que a protagonista Olga teve, de ver como ela passou a refletir sobre os 15 anos de seu casamento, refletir sobre quem o marido era - e se realmente o conhecia - e até mesmo quem ela mesmo é. Acho ainda que todo mundo, em certa medida, pode se identificar com o drama de Olga: é possível se enxergar em sua loucura, principalmente se você já passou por alguma situação de abandono ou perda.
O livro com certeza me tirou da minha zona de conforto, e apesar de não ter considerado uma de minhas melhores leituras, me deixou curiosa para ler mais da autora. Futuramente irei me debruçar sobre outras obras de Elena Ferrante.
ISBN: 978-85-250-6183-6
Editora: Biblioteca Azul
Tradução: Francesca Cricelli
Nota: 3/5 ⭐
*esta leitura fez parte do CALMA - Clube Ativista Literário para Mulheres Ansiosas*
esse foi o melhor livro da Ferrante que li até agora, tbm acho que é daqueles que tds podemos nos relacionar de alguma forma
ResponderExcluirEu quero muito ler logo outros livros dela! <3
ExcluirO livro tem uma história bastante emocionante, nos dias de hoje infelizmente existem mulheres como a Olga, mulher que foi abandonada pelo marido, é muito ruim ser abandonada pela pessoa que amamos, bjs.
ResponderExcluirA leitura realmente me trouxe muitas emoções. Abandono é sempre muito difícil!
ExcluirTodas conhecemos alguma Olga, não é mesmo?!Mas, apesar de conhecer várias mulheres que passaram por isso. A forma como cada uma vai lidar é diferente. Adorei a resenha do livro, vai ser uma das minhas próximas escolhas, com certeza.
ResponderExcluirSim, cada experiência é realmente bem diferente. Fico feliz de você estar considerando essa leitura!
ExcluirMuito boa a resenha, afinal conhecemos muitas Olgas =(
ResponderExcluirFiquei interessada em saber mais, vou procurar o livro.
Bjs
www.guriaantenada.com
Procura mesmo!
ExcluirNossa eu fiquei encantada, com se post e quero muito ler esse livro, me parece que mostrou na real como é uma separação para uma mulher, 15 anos é uma vida de cumplicidade e amor.
ResponderExcluirPois é Dayane! Acho que ele é um retrato bem real do que uma separação como essa pode desencadear.
ExcluirNossa que barra né?
ResponderExcluirCom certeza já pela resenha deu para perceber o quão pesado é o livro em relação aos sentimentos da protagonista, uma pena que você não tenha curtido tanto o final. Vale a pena ler e conferir!!
Vale super a pena mesmo <3
ExcluirEu amaria acompanhar como a Olga supera seus desafios!!! Obrigada pela indicação!!!
ResponderExcluirFico feliz que tenha gostado da indicação, Mary <3
ExcluirAinda não li nada da autora, mas já li algumas resenhas elogiando o livro A amiga genial. O livro parece ser uma leitura interessante para quem já vivenciou algo parecido e talvez se identifique com as atitudes da protagonista. Porém, não é um livro que não me chamou muito atenção, ainda assim parabéns pela resenha.
ResponderExcluirTodo mundo fala muito bem mesmo de A amiga genial! Acho que vai ser a minha próxima leitura da autora <3
ExcluirToda essa situação que ela está passando é tão dolorosa, e pra nós que estamos em um relacionamento, nos faz pensar: E se acontecer comigo também? Essa pergunta me faz ter empatia. Mesmo sendo triste, quero ler. Beijos
ResponderExcluirPois é Nati, impossível não refletir sobre nós mesmas com essa leitura!
ExcluirCaramba, Malu... Essa citação da página 23, em que ela fala sobre não saber sobre a vida de alguém que sabe tudo sobre a dela, me impactou demais! Fiquei aqui refletindo o quanto isso acontece na minha vida, mesmo que não no mesmo contexto. Deu até um incômodo, e acho que isso quer dizer que a escrita da autora - que eu confesso que não conhecia - é forte demais!
ResponderExcluirFiquei curiosa pra história da Olga... Uma situação tão corriqueira, mas que pode ter TANTOS desfechos diferentes. Acho até legal você não ter gostado de algumas atitudes dela, né? Quer dizer que tava com o senso crítico apitando durante a leitura. Obrigada por essa resenha ótima!
Oi Luly! Pois é mulher, a Elena Ferrante tem essa capacidade de dar uma tapas na nossa cara com suas palavras, haha Me fez refletir muito mesmo, e assim como você, em alguns pontos cheguei a me sentir incomodada. Obrigada pelo seu comentário, espero que leia o livro no futuro! <3
ExcluirCaramba, parece realmente ser interessante, não segue muito a minha linha de leitura, mas parece bem envolvente a história, mesmo que você nem tenha passado por isso você provavelmente conhece alguém que tenha.
ResponderExcluirAdorei as fotos :)